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Banca de QUALIFICAÇÃO: LAURA VICUNHA PARAENSE GUIMARÃES

Uma banca de QUALIFICAÇÃO de MESTRADO foi cadastrada pelo programa.
DISCENTE: LAURA VICUNHA PARAENSE GUIMARÃES
DATA: 30/01/2019
HORA: 10:00
LOCAL: PPGARTES
TÍTULO:

TENDA MIRY SANTO EXPEDITO:

uma prática musical umbandista no Pará


PALAVRAS-CHAVES:

Prática musical no Pará, Tenda Miry Santo Expedito, Umbanda no Pará, Pontos cantados, Música e religião.


PÁGINAS: 47
GRANDE ÁREA: Lingüística, Letras e Artes
ÁREA: Artes
SUBÁREA: Música
RESUMO:

A prática musical realizada na Tenda Miry Santo Expedito, um centro umbandista localizado no bairro da Campina em Belém do Pará, é o objeto de estudo dessa pesquisa, que buscou investigar como essa prática musical acontece, para que ela acontece, por que ela acontece e o que ela faz com as pessoas que a praticam. Fornecer informações contextualizadas sobre a Tenda Miry Santo Expedito; Registrar, analisar e classificar o repertório musical entoado nos rituais da Tenda Miry Santo Expedito e, descrever a prática musical umbandista da Tenda Miry Santo Expedito, tendo como foco a festa dedicada a Nossa Senhora da Conceição, destacando a função da música nos diversos momentos do ritual e o que essa música provoca nas pessoas que frequentam a casa, se constituíram nos objetivos específicos da pesquisa.

Meu interesse pelo tema se firmou a partir do momento que passei a frequentar a casa no ano de 2015 para desenvolver meus dons mediúnicos e, também, quando em paralelo a isso, estava assistindo, como ouvinte, a disciplina Etnomusicologia, no curso de mestrado no PPGArtes-UFPA.  Aceitar meus dons mediúnicos e, principalmente, procurar desenvolvê-los em um centro umbandista foi sem dúvida uma de minhas maiores batalhas psicológicas. Essa luta era uma questão de extrema importância para minha mãe, que em vida se chamou Maria Paraense. D. Maria, como era conhecida em nosso bairro do Coqueiro, um pequeno povoado localizado no município de Ananindeua, era uma senhora respeitada e reconhecida por seus “benzimentos” e por sua profunda dedicação ao próximo.  “Erveira” e “Senhora das rezas”, como também era conhecida, constantemente era procurada por um grande número de pessoas para os aconselhamentos espirituais, para pedir uma receita de chá e de banhos para as mazelas do corpo e da alma.  Mamãe era professora e alfabetizou e encaminhou para o “sucesso escolar”, como costumava dizer, inúmeros alunos. Entre trabalhos, cadernos, provas e livros, ela dividia seu tempo com as aulas, as visitas que chegavam sem cerimônia e eram sempre bem vindas, e a atenção aos inúmeros filhos - treze do ventre e mais um número significativo de “filhos do coração”. Nesse ambiente me criei e testemunhei grande parte desses momentos de dedicação de minha mãe ao bem do outro através de sua mediunidade, porém quando ela me dizia que eu tinha esses mesmos dons espirituais de ver, sentir e pressentir o que estava além da matéria, minhas inquietações e incômodos sobre o assunto passavam a me perturbar, e em mim causavam grande desconforto.

Nossa casa é um sítio com muitas árvores, plantas, bichos e com a liberdade de pisar a terra e sentir a natureza bem próxima. Foi nesse cenário de contato com a mata que tive o privilégio de ser criada e todos esses fatores contribuíram para que meus dons mediúnicos se manifestassem desde muito cedo em minha vida, porém o receio de tantos elementos como o medo, o preconceito, as dúvidas, me afastaram durante muito tempo da possibilidade de ser uma trabalhadora da e para a espiritualidade, como minha mãe foi. Todavia, finalmente depois de passar a frequentar a Tenda Miry Santo Expedito, o centro que minha mãe por vezes visitava e me levava com ela, aceitei esses meus dons e busco desenvolvê-los nesta casa.

Minha experiência artística se dá pelo viés da música “erudita”. Possuo formação em canto lírico. Ao adentrar na Tenda Miry Santo Expedito, causou-me grande encantamento a prática musical que emergia daquele lugar, pois a mesma se faz apenas através do uso do canto, sem a utilização de qualquer outro instrumento musical. Neste momento minhas memórias junto à minha mãe se fizeram fortemente presente, pois havia guardado em lugares subterrâneos de meu inconsciente aquela casa, seus cheiros característicos da defumação dos trabalhos espirituais, o altar com a estrela de cinco pontas, as velas de cores. Porém, com certeza, a maior lembrança se deu no momento em que a música passou a ser cantada. No quadro que “se pintava” à minha frente, via e ouvia claramente a voz de minha mãe cantarolando algumas daquelas músicas. Essa experiência vivida é um conceito criado por Pierre Nora (1993) e intitulado pelo autor de “lugares de memória”. Lugares não no sentido geográfico do termo, mas gatilhos que disparam as lembranças guardadas no campo da memória, como cheiros, cores, formas, sons, entre outros elementos, e esses lugares de memórias, pude observar que não somente em mim, mas em várias pessoas que fazem parte do centro pesquisado, são acionados quando essas estão participando do culto religioso que é praticado na Tenda Miry Santo Expedito. Em seus relatos, assim como nas minhas experiências vividas na casa, o perfume da defumação, as cores das velas, e principalmente a música cantada, trazem algum tipo de lembrança, por vezes da infância, ou dos entes que já passaram pela casa, ou de alguma vizinha ou vizinho ou conhecido que benzia ou rezava em seu bairro ou que faziam parte de sua própria família.

 A música sempre esteve presente na minha vida e trago da infância e adolescência as lembranças dos vários estilos e formas de música que se apresentavam no meu dia a dia, como a seresta que acontecia toda quinta-feira na casa do Sr. João que morava em frente a janela do meu quarto e que ansiosa eu esperava para ouvir o som dos Chorões e seus violões e cavaquinhos tocando Pixinguinha, Ernesto Nazaré, Dilermando Reis, entre outros. Aos sábados pela manhã a rua cedo era acordada pela aparelhagem do marido da D. Assunção que trazia os discos de guitarradas das Caienas e fazia questão de colocar para que a rua inteira ouvisse. Lembro que esse som para mim era o estímulo para fazer a faxina da casa como mamãe nos designava aos sábados.  O volume do som era realmente muito alto, o que provocava por vezes a discórdia entre os vizinhos, mas eu especialmente gostava daquela música tão dançante. Aos domingos pela manhã, antes ou depois da missa, éramos embalados pelas músicas do Pe. Zezinho nos primeiros Lps que meu irmão João comprou pra ouvirmos na nossa vitrola. E o som do violão e da música popular brasileira era uma constante nas rodas de conversas que meus irmãos Zeca e Paulo promoviam no quintal de nossa casa com seus amigos dos tempos de FCAP¹. Além das músicas da missa que nosso irmão Tonho tocava no pátio, onde mamãe e papai nos reuniam, principalmente nas noites de luar, quando ele vinha nos visitar em suas férias do seminário onde estudava fora de Belém para ser um irmão marista, e na adolescência, as rodas de violão com os amigos de minha irmã Lia nos nossos tempos de Caju². E ainda hoje, o som do Regue em volume bem auto, ouvido por nosso vizinho Celso na sua taberna. Nesse ambiente de tão variados tipos de música passei grande parte de minha vida, e ainda hoje alguns desses momentos se repetem no quintal de nossa casa.

 Aos 12 anos passei a estudar música no S.A.M³ e por quatro anos o som da casa era dos meus estudos em violão clássico que minha mãe me pediu pra estudar, para que eu pudesse tocar “Abismo de Rosas”, do Dilermando Reis para ela. Não cheguei a realizar esse sonho, pois antes que dominasse a técnica para tocar essa peça musical me encantei pela viola de orquestra e deixei os estudos de violão, me transferindo assim para o Conservatório Carlos Gomes, onde passei a estudar viola e canto lírico. Posteriormente meus estudos na viola foram interrompidos, após doze anos. Devido ao grande número de pessoas interessadas em ingressar na casa, o governo do Estado na época, decretou que os alunos só poderiam estudar um instrumento no curso técnico do Conservatório ,e como a viola que eu tocava não era minha e sim emprestada da EMUFPA, fui obrigada a devolver o instrumento nesse mesmo período do referido decreto, me obrigando assim a continuar apenas no curso de canto lírico, que concluí no ano de 2002, na classe da minha querida Mestra, Professora Malina Míneva, onde fui sua primeira aluna mezzo- soprano, quando ela chegou em Belém, em 1992, vindo da Bulgária. Malina foi a primeira professora que em minha formação musical me fez refletir sobre a importância do contexto no qual uma música é produzida e praticada, pois me ensinava que como cantora eu deveria ser também uma pesquisadora do repertório que cantaria, buscando saber como e para que aquela música havia sido produzida, fazendo que eu apenas não me tornasse uma mera reprodutora de notas musicais, mas que soubesse o que estava cantando. 

Passando minha infância e toda minha adolescência ouvindo tão diferentes estilos musicais, sempre ouvi das várias pessoas do meu convívio frases do tipo: “isso lá é música?”, “isso não é música que preste”, “isso sim é que é música de qualidade”, “isso que é música boa”. Essas frases sempre me intrigavam, pois ainda criança me questionava - mais se é som, tem melodia, é cantada ou só tocada, então é música, por que será que as pessoas dizem que não é música? Mais tarde descobri o significado da palavra gosto e da expressão, “juízo de valor”, então fiz minha primeira dedução: as pessoas não se agradavam de alguns sons, ou seja, elas não gostavam de determinadas músicas, por essa razão diziam que algumas músicas não “prestavam”, ou mesmo que não eram música, e foi então que somente no mestrado pude enfim constatar que minha dedução da infância tinha sua validade, pois ao me deparar com o estudo da etnomusicologia pude começar a compreender o que significa o contexto e a importância desse contexto na prática musical de uma determinado grupo social, e de como suas relações com a música se estabelecem. A partir dessas descobertas sobre a prática musical, a funcionalidade da música e a importância dessa funcionalidade para determinados grupos sociais, passei a investigar as práticas musicais que acontecem na Tenda Miry Santo Expedito.

Prática musical será abordado na pesquisa considerando os estudos no campo da Etnomusicologia, que considera o objeto musical a partir do contexto no qual está inserido, o que ele faz, bem como o que faz com os sujeitos envolvidos. Segundo Chada (2007) prática musical é:

Um processo de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além de seus aspectos meramente sonoros, embora estes também tenham um papel importante na sua constituição, sendo de extrema importância neste contexto (...) A execução, com seus diferentes elementos (participantes, interpretação, comunicação corporal, elementos acústicos, texto e significados diversos) seria uma maneira de viver experiências no grupo (CHADA, 2007. p. 139)

 

A investigação proposta foi constituída de duas fases paralelas. A primeira compreendeu o levantamento de fontes bibliográficas que versam sobre a Umbanda, sobre a Umbanda no Pará e sobre a Tenda Miry Santo Expedito, assim como fontes etnomusicológicas que serviram de fundamentação teórica para a pesquisa.

A abordagem se configura, principalmente, na proposta de etnografia musical expressa no discurso de Anthony Seeger (2008), que se relaciona à transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à transcrição dos sons. A inclusão tanto de descrições detalhadas quanto de declarações gerais sobre a música. Segundo Freire:

[...] os estudos etnográficos pressupõem a total imersão do pesquisador no fenômeno, diluindo a separação sujeito-objeto. Os diferentes sujeitos envolvidos no processo são também sujeitos da pesquisa, uma vez que são usadas técnicas de tradicional uso da etnografia, tal os autores do processo de desenvolvimento da pesquisa (2010. p. 37).

A etnografia pretende descrever significados e/ou saberes, interpretando sentimentos e compreendendo percepções em que o sujeito é o foco principal da pesquisa, levando em consideração o proposto por Geertz:

Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplo transitório de comportamento modelado (1989. p. 13).

A coleta de dados compreendeu a segunda fase da pesquisa. A observação no campo é a primeira etapa de desenvolvimento da etnografia que ocorre na Tenda Miry Santo Expedito. Foram realizadas observações da manifestação e entrevistas semiestruturadas com os praticantes e a comunidade que frequenta esse contexto, assim como registros audiovisuais. A observação “é considerada participante na medida em que se estabelece um grau intenso de interação do pesquisador com a situação em estudo, fazendo que ele seja afetado por ela, e vice-versa.” (FREIRE, 2010, p. 37). A escolha do local para o desenvolvimento da pesquisa levou em conta a inserção da pesquisadora no centro umbandista, o que colaborou sensivelmente para a coleta de dados.

As entrevistas tiveram como principal objetivo contribuir com os dados que não foram suficientemente alcançados com a observação. Freire observa que:

Nas pesquisas de caráter subjetivista, os questionários costumam ser abertos ou semiabertos, ou seja, não há interesse em pré-direcionar as respostas, mas em garantir ao depoente espaço para respostas não previstas, o que contribui para enriquecer ou aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno estudado, possibilitando novas interpretações. Como exemplo de pergunta não pré-direcionada, podemos no estudo de uma determinada prática musical, indagar de cada um dos intérpretes quais aspectos dessa prática ele considera mais relevante, em vez de perguntar, por exemplo, qual a importância da condução harmônica no processo (2010, p. 35).

Ainda na observação do campo foram realizados registros e transcrições do repertório musical presentes nas festas espirituais e sessões que acontecem na casa, com destaque para uma dessas festas, a de homenagem a Nossa Senhora da Conceição - mãe Iemanjá. O modo no qual o material está sendo transcrito leva em conta a inserção da pesquisadora no centro pesquisado e sua formação musical, considerando os objetivos da pesquisa e, principalmente, tendo em vista que a mesma deverá refletir a prática musical.

Por fim, os dados obtidos na observação e entrevistas estão sendo analisados e interpretados de modo a alcançar os objetivos propostos. Para a interpretação dos dados consideramos as narrativas dos entrevistados e o proposto por Béhague (1992, 1999); Blacking (2000); Nettl (2005); Seeger (2004) e Coelho (2007) sobre etnografia e prática musical.


MEMBROS DA BANCA:
Presidente - 6327462 - SONIA MARIA MORAES CHADA
Interno - 2124568 - IVONE MARIA XAVIER DE AMORIM ALMEIDA
Externo à Instituição - ANTONIO JORGE PARAENSE DA PAIXÃO
Externo à Instituição - FRANCISCA HELENA MARQUES
Notícia cadastrada em: 28/01/2019 09:51
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