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Banca de DEFESA: MARCIO BRUNO BARRA VALENTE

Uma banca de DEFESA de DOUTORADO foi cadastrada pelo programa.
DISCENTE: MARCIO BRUNO BARRA VALENTE
DATA: 28/02/2023
HORA: 09:00
LOCAL: sala de aula do PPGP
TÍTULO:

TESTEMUNHOS DA PERDA DE MÃES OU DE PAIS POR COVID-19: a relação entre luto e política na pandemia no Brasil


PALAVRAS-CHAVES:

Luto. Covid-19. Bolsonarismo. Testemunho. Fenomenologia.

 

PÁGINAS: 263
GRANDE ÁREA: Ciências Humanas
ÁREA: Psicologia
RESUMO:

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou como pandemia a doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), a Covid-19. Nos seus dois primeiros anos, a pandemia impactou os modos de viver e de morrer que obrigaram as sociedades e as existências singulares a se desconstruir. Isso implicou perdas diferentes e de intensidades distintas nas dimensões sociais, políticas, econômicas, científicas, profissionais e tantas mais.  No Brasil, foram mais de 695 mil pessoas mortas que deixaram aproximadamente entre quatro e seis milhões de brasileiros, vivenciando seus lutos em condições precárias dadas os impactos causados pelo vírus quanto pela gestão do governo federal da crise sanitária. O objetivo desta pesquisa consiste em compreender como filhos vivenciaram suas experiências com o luto pela morte por covid de seus pais ou suas mães durante a pandemia no país. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, na modalidade on-line, a partir de uma pergunta disparadora: “compartilha comigo como tens vivido o luto desde a perda do teu pai (ou da tua mãe)?”. Participaram da pesquisa quatro pessoas: duas mulheres que perderam seus pais em 2020; um homem e uma mulher que perderam suas mães em 2021; as idades variaram entre 26 e 45 anos; todas possuem ensino superior completo; profissionalmente um trabalha como autônomo e as demais como funcionárias públicas, sendo todas financeiramente independentes de seus genitores. A mãe de apenas uma participante morreu tendo recebido a primeira dose da vacina contra a covid; a mãe de um outro participante descobriu a infecção às vésperas de receber sua dose e os pais das demais quando ainda nem existia vacina. A entrevista foi inspirada pelo pensamento fenomenológico hermenêutico heideggeriano, que ensina que precisa existir uma rigorosa correspondência entre o fenômeno investigado e a forma de acessá-lo. Por isso, em todas as entrevistas se buscou acompanhar os enlutados em seus pesares, dúvidas e afetações, permanecendo junto deles como um ouvinte que consegue ouvir a narração insuportável e promete que essa será levada adiante enquanto recorte singular de uma catástrofe mundial. Por fim, cabe destacar que a pesquisa com os enlutados foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA (Nº do Parecer: 5.452.525). Cada encontro foi surpreso e intenso. Ao mesmo tempo, no decorrer da investigação, assuntos foram se repetindo, bem como percepções acerca do fenômeno, sugerindo que se havia atingido um ponto de saturação, pelo menos considerando os perfis dos entrevistados, o momento histórico e o as condições emocionais em cada encontro. Após a transcrição das entrevistas, de leituras balizadas na produção científica disponível e da compreensão do pesquisador, emergiram possíveis sentidos sobre a experiência com o luto por covid-19 dos entrevistados. Esses foram dispostos em três perspectivas distintas e complementares: (1) o morrer de um familiar por covid-19; (2) o luto durante a pandemia; e (3) o luto e a gestão do governo federal no combate à pandemia. Os sentidos apontados em cada perspectiva, por sua vez, foram organizados em três eixos de análise: sentidos mais comuns (compartilhados por todas as participantes); sentidos menos comuns (por três ou dois participantes) e sentidos pouco comuns (por apenas uma pessoa). Na primeira perspectiva, a experiência com o morrer de um familiar por covid-19, oito sentidos se mostraram, respectivamente: “o que está acontecendo?” e “rápido, muito rápido, abrupto”; “transmissão, contágio e culpa”, “saco preto”, “não queria largar, tive que deixar” e “negação e fake news”; “múltiplas mortes” e “não estava lá”. Na segunda, a experiência com o luto por covid-19 na pandemia no Brasil, três sentidos se mostraram: “sem flores, sem nada”; “ritualização da morte para acolher a perda”; e “ritos online”. Na terceira e última perspectiva, a experiência com o luto e a gestão do governo federal no enfrentamento à pandemia, quatro sentidos se manifestaram: “se a vacina tivesse chegado antes” e “isso me dá uma raiva e uma revolta”; “debochando das pessoas sem ar”; e “somos um pouco de cobaias”. Os resultados da pesquisa mostram uma transformação na experiência e vivência do luto a partir do novo coronavírus durante a pandemia: as perdas que aconteceram em um cenário caótico, súbitas, traumáticas e longe dos familiares dado o isolamento físico; o sepultamento ou a cremação não deveria ultrapassar 24h, o não visualização do corpo do falecido e a supressão dos rituais de despedida dada as escolhas políticas da União, impuseram a milhares de brasileiros e brasileiras um luto em condições precárias de expressão, validação e recebimento de suporte social; a presença de sentimentos de raiva e injustiça pelo fato de que as medidas preventivas poderiam ter minimizado o número de mortes, assim como pela morosidade na compra da vacina e no estabelecimento do plano nacional de vacinação do Ministério da Saúde e ainda pela postura do então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que adotou uma postura efusiva de negação do vírus e da pandemia, promovendo dúvida entre a população quanto gravidade da situação e descumprimento das medidas de segurança; das fantasias ligadas a chegada da vacina, há tempo de salvar o ente amado; a culpa pela contaminação tanto do enlutado para com o falecido quanto do enlutado para consigo e seus pares; a presença de sensações e sentimentos de luto não reconhecido em razão da falta de empatia dada as polemicas em torno da morte por covid-19, promovida pelas fake news e pela postura de deboche para com os mortos e de minimização das perdas dos enlutados; e tanto outras mais peculiaridades que circunscrevem o luto da pandemia no Brasil. Mesmo que não tenhamos condições adequadas para um recolhimento meditativo dado nosso cotidiano ainda marcado pela crise sanitária nem de um distanciamento histórico necessário para conhecer e compreender o que aconteceu a fim de tirarmos conclusões mais estáveis e definitivas, certamente, podemos apontar o luto por covid-19 como uma nova manifestação do luto em virtude de suas peculiaridades que o precarizou, rompendo com o percursos esperados do enlutamento e exigem novas compreensões e práticas de intervenções profissionais e político-governamentais. Argumentamos ainda que o luto da pandemia no Brasil não pode ser apenas ou simplesmente compreendido como uma vivência privada e, nesse sentido, deslocada do coletivo e despolitizada. Haja vista que desde janeiro 2021, através do trabalho de pesquisadoras brasileiras, descobrimos que a postura negacionista do Presidente Bolsonaro não era uma ação isolada de um fanfarrão nem a morosidade do Ministério da Saúde era fruto de negligência ou incompetência, mas evidências de que existia uma estratégia institucional de propagação do vírus, pois a imunização da população deveria ser atingida sem a necessidade de vacinação através da contaminação em massa, independentemente do número mortes evitáveis, quadros graves ou de sequelas que atingissem os brasileiros e as brasileiras. Concluímos que o fenômeno investigado requer que sua compreensão se circunscreva através do entrelaçamento entre o privado, o coletivo e o político, em um só tempo. A partir disso, acreditamos que uma clínica do luto por covid-19 precisa se desenvolver. Além disso, precisamos encontrar formas de validar o luto das perdas na pandemia brasileira, não ignorando ou silenciando suas experiências e considerando os enlutados como testemunhas de uma catástrofe sanitária, histórica, humanitária e política, seja através de estudos, seja dos serviços de saúde mental públicos e privados, seja pelo reconhecimento do estado quanto aos crimes praticados pela gestão do governo federal, sob a liderança do Presidente Bolsonaro, e pela promoção de ações restaurativas junto aos enlutados.


MEMBROS DA BANCA:
Presidente - 2353907 - CEZAR LUIS SEIBT
Interno - 502.919.630-72 - LUCIA MARQUES STENZEL - UFCSPA
Interno - 2519133 - MARIA LUCIA CHAVES LIMA
Externo à Instituição - LUCIVALDO DA SILVA ARAÚJO
Externo à Instituição - ROSÂNGELA ARAÚJO DARWICH
Notícia cadastrada em: 31/01/2023 12:40
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