O olhar do ribeirinho para a fauna aquática da várzea amazônica
várzea, capital adaptativo, manejo comunitário, conflitos, valores plurais
A crise socioambiental instalada no mundo tem exigido a reflexão sobre outras formas de
relacionamento da sociedade com a natureza. Formas de economia e sociedade mais integradas ao
equilíbrio natural se tornaram um desafio a ser alcançado. Diante desta necessidade, olhar para povos
que mantêm uma intrínseca relação com o meio em que vivem mesmo no contexto da modernidade
pode indicar possíveis caminhos. O foco deste estudo foi a relação de ribeirinhos da várzea
amazônica com a fauna aquática. O objetivo geral foi compreender como é a relação dos ribeirinhos
da várzea com a fauna aquática, como ela é construída e que aspectos interferem nesta relação. Três
objetivos específicos foram estabelecidos: (1) descrever a história do estabelecimento de uma
comunidade ribeirinha na várzea Amazônica, identificando elementos que possam ter levado à sua
atual configuração; (2) compreender os mecanismos envolvidos na formação de sistemas de manejo
comunitário dos recursos naturais; (3) reconhecer valores plurais existentes na relação dos
ribeirinhos com a fauna aquática e quais são as suas implicações para as formas de uso e manejo
desses recursos. A abordagem metodológica foi baseada na percepção de moradores de uma
comunidade da várzea de Santarém. Foi feita observação participante, entrevistas abertas e semiestruturadas, mapas mentais, análise documental e informantes-chave. Os resultados mostraram uma
história descontínua, pouco definida, mas com o desenvolvimento de profundos mecanismos de
adaptação e resiliência e de forte relação com o ambiente da várzea e sua dinâmica hidrológica. Essa
se reflete na constituição sociocultural da comunidade: não há uma definição precisa de identidade
cultural, mas há pessoas com uma história coletiva e objetivos comuns. Porém, há conflitos e
divergências envolvendo o uso de recursos naturais, como os quelônios. Foi possível identificar
mecanismos que favorecem estas divergências, bem como a necessidade de uso do capital adaptativo
construído ao longo do tempo no manejo e gestão destes animais. Para isso, é preciso considerar os
valores que motivam as relações com a natureza. Por isso, foram identificados valores plurais
existentes na relação dos ribeirinhos com animais da fauna aquática (tracajás, pirarucu, jacarés, botovermelho, tucuxi e peixe-boi). Os resultados evidenciaram a importância de se considerar estes
valores na elaboração de planos de manejo. Assim, concluiu-se que a relação dos ribeirinhos com a
fauna aquática se constrói com base no capital adaptativo, nas mudanças de percepção que ocorrem
com o passar do tempo e das experiências, algo fundamental para políticas de manejo, geralmente
pouco flexíveis.