Crise sistêmica da Urbanização e as soluções emergentes das espacialidades amazônicas: uma análise interseccional do campo da arquitetura e urbanismo
urbanização; decolonialidade; Amazônia; espacialidade
Esta tese apresenta e problematiza aspectos do processo de urbanização brasileira, especialmente do contexto amazônico, destacando que a tentativa histórica de universalização da forma urbana tem sido possível graças à invisibilização e inferiorização de modos de vida, práticas e formas de ocupar e se relacionar com o território, que diferem do padrão hegemônico. Pretende-se tecer um paralelo entre a imposição e consolidação desse padrão hegemônico de urbanização eurocentrado, e a crise ecológica que as cidades atravessam, tendo em vista que as soluções propostas para as cidades contemporâneas cada vez mais demandam novos valores, práticas sociais e territoriais, comprometidos com uma agenda mais inclusiva, diversa e ecológica. Partiu-se de uma revisão de literatura sobre estudos urbanos consolidados no âmbito nacional e internacional, sobre as críticas e abordagens de estudos urbanos decoloniais, passando por debates morfológicos, discussões ambientais e ecológicas no sentido de enfrentamento da crise climática, e por abordagens da urbanização a partir de uma perspectiva interseccional. A literatura foi comparada a resultados de pesquisas de campo em recortes territoriais diversos (periferia urbana, ilhas, assentamento extrativista, comunidade quilombola e áreas periurbanas) acumuladas para duas cidades do estado do Pará, Belém e Santarém (GOMES et al, 2017; CARDOSO, VICENTE, BRITO, 2021; CARDOSO et al, 2021). Esse paralelo permitiu a exposição das contradições entre o padrão hegemônico de urbanização e as formas nativas, e a identificação de uma crise desse padrão hegemônico e exógeno, e das pautas historicamente invisibilizadas que podem ser incorporadas para superá-lo. O padrão hegemônico foi caracterizado por atributos de arruamento, proporção de quadras, delimitação de lotes, tipologias de edificações, materiais, e demais categorias que compõem o tradicional léxico da arquitetura e urbanismo (ROY, 2009). A globalização do fenômeno da urbanização extrapolou fronteiras físicas e atingiu a esfera da vida cotidiana (MONTE-MOR, 2015), provocando expansão acelerada e homogeneização na produção e ocupação do espaço. Isto manifestou uma crise sistêmica, nas múltiplas camadas que se sobrepõem no território (ecológica, moradia, infraestrutura, mobilidade, segurança alimentar, conflitos raciais, de gênero, étnicos); que corresponde a agenda dos movimentos sociais para as políticas urbanas (HARVEY, 2020; FEDERICI, 2021). Esta crise consolida a distribuição desigual do acesso ao meio ambiente (ACSELRAD, 2002) e amplia os efeitos negativos das mudanças climáticas sob as populações mais vulnerabilizadas pelo fenômeno da urbanização hegemônica. Tanto Belém quanto Santarém, são municípios que tiveram sua fundação datada a partir da implantação da vila portuguesa, mas que originalmente foram territórios ocupados por aldeias indígenas, de saberes e espacialidades milenares, que por séculos foram apagados pela colonialidade imposta externa e internamente. Os registros de uma urbanização híbrida em contexto amazônico apontam para alternativas à urbanização padronizada e predatória. Registros morfológicos apontam resistências que se apresentam como alternativas mais responsivas, resilientes, inclusivas e diversas, se comparadas à lógica predatória da urbanização ocidental vigente, e que indicam que a dicotomia urbano – rural foi algo engendrado na macrorregião e imposto à esfera da vida cotidiana.