RELATÓRIO DE ESTÁGIO: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NO MODO DE NARRAR A AULA
Escrita; Relatório de estágio; Narrativa; Ponto de vista; Produção de conhecimento.
Desenvolvemos uma pesquisa sobre a escrita de relatórios de estágio produzidos na
Universidade Federal do Pará (UFPA), campi Marajó-Breves, Belém e Castanhal e a relação
do processo de escrita com a produção de conhecimento, problematizando especificamente a
forma como se narra a aula. Nos relatórios, o estagiário constrói imagens sobre os
acontecimentos da aula por meio da escrita. Nesse estudo, uma das hipóteses que discutimos é
que a forma de narrar produza um discurso polifônico (discursos que estruturam o campo do
ensino) que evidencia pontos de vista aos quais necessariamente se vinculam formas de
conhecimento sobre o papel dos sujeitos participantes do estágio, a escola e o ensino. Esses
conhecimentos se manifestam pela “seleção” ou ocultamento de um termo, de uma expressão,
pela organização de um enunciado etc. Ao considerarmos que o relatório é um texto
predominantemente narrativo, propomos analisá-lo tanto no plano da “narração”, em que o
locutor constrói imagens dessas interações por meio da escrita, quanto no plano da “narrativa”,
em que as interações vivenciadas em sala surgem como objeto do relato. Em ambos, a “ação”
é um elemento de destaque. Construímos as noções de plano da narração e plano da narrativa a
partir de Todorov (2008); a concepção de discurso polifônico, a partir de Bakhtin (2008),
Ducrot (1987) e Authier-Revuz (2004). A concepção de “ação” é construída a partir de
Bakhtin/Volochínov (2010) e Geraldi (2013). Enfim, abordamos a maneira como as ações do
plano da narrativa são materializadas linguisticamente e sua relação com o estatuto empírico
dessas ações embasando-nos em Castilho (1968), Travaglia (2016), Ducrot (1987) e Austin
(1990). Nosso objetivo geral consiste em compreender como o relatório, enquanto texto
essencialmente narrativo, apresenta evidências do processo de formação do professor e como
se caracterizam os conhecimentos incorporados pelo estagiário nesse processo formativo. Para
alcançarmos esse objetivo, organizamos em dois momentos as análises das seções de regência
de três relatórios. No primeiro momento, a partir do plano da narrativa, discutimos as ações
atribuídas aos alunos e aos professores/estagiários, e o relato sobre o conteúdo trabalhado e/ou
a metodologia empregada em sala. No segundo momento, a partir do plano da narração,
discutimos as formas como os estagiários expõem as ações do plano da narrativa ao produzir o
texto em que elas são relatadas. Com o estudo, respondemos a duas questões que levantamos.
A primeira, Quando podemos dizer que um relatório nos dá indícios de um processo de
produção de conhecimento? Evidenciamos que, ainda que o relatório seja repleto de
generalizações e ocultamentos, ele produz conhecimento sobre as concepções de ensino que
norteiam o estagiário. A segunda questão, o que pode ser considerado um “bom” relatório?,
também foi respondida. Concluímos que um “bom” relatório precisa cumprir pelo menos dois
quesitos: uma escrita detalhada e reflexiva; uma escrita que abale os conhecimentos pré-
concebidos. O primeiro quesito, escrita detalhada e reflexiva, é importante para que o estagiário
possa revisitar seu texto e exceder seus posicionamentos iniciais, refletindo sobre os seus dados
a partir das concepções apreendidas durante o curso de graduação. O segundo quesito, uma
escrita que abale os conhecimentos pré-concebidos, diz respeito ao fato de que o relatório
precisa ser compreendido como uma prática em que o estagiário abale as concepções pré-
concebidas, muitas vezes, “arcaicas e autoritárias”, que tem sobre os sujeitos que participam da
aula, sobre a escola e o ensino.