VAI TIRAR UM DINHEIRO QUE É TEU: CARACTERIZAÇÃO PROSÓDICA E MULTIMODAL DAS NARRATIVAS DE ENTERRO
Narrativa de enterro. Prosódia. Gesto. Multimodalidade.
No presente estudo revisitamos a estrutura da narrativa de enterro proposta por Fernandes (2007), defendendo a tese de que também existe uma estrutura multimodal nos 25 arquétipos: protoconto, descritiva, explicativa e logro (FERNANDES, 2007), pois o narrador faz uma associação direta entre mecanismos prosódicos e gestuais para produzir expressividade, durante a estruturação das suas seis partes invariáveis: origem, anunciação, manifestação, marcação, provação e desenlace (consciência linguística). A narrativa de enterro compreende o resgate de um tesouro enterrado, revelado a um indivíduo de perfil merecedor. O corpus, formado por 32 narrativas, foi gravado em formato mp4 e wav, narrado por locutores do sexo masculino e feminino, nativos das comunidades quilombolas do Baixo Tocantins/PA: Mola (4), Itabatinga (4), Itapocu (4), Laguinho (4), Tomázia (4), Bom fim (4), Taxizal (4) e Frade (4). O trabalho laboratorial envolveu seis tratamentos de dados: 1) Transcrição conforme o Sistema de Notação da Análise da Conversação (MARCUSCHI, 1986); 2) Análise Estrutural da Narrativa (FERNANDES, 2007); 3) Segmentação no PRAAT para mapear as pistas prosódicas de pausa silenciosa em ms e f0 em Hz,); 4) tomadas de medidas acústicas com papel relevante para caracterização das partes (OLIVEIRA Jr., 2000); 5) Notação no ElAN, considerando as trilhas: a) partes da narrativa (FERNANDES, 2007); b) enunciado (segmento ou sequência discursiva delimitada por uma pausa de extensão variável), c) dimensão gestual (MCNEILL, 2005): icônica, metafórica, deitica e ritmica; e d) fases gestuais: preparação, golpe, (KENDON, 2004; DUNCAN, 1996), pós-golpe (KITA, 1990) e 6) Tratamento Estatístico no RsTudio. Sobre a análise prosódica comprovamos que a duração da pausa delimita as partes da narrativa de enterro porque o ritmo de fala ocorre mais lento na fronteira das seções narrativas do que no interior delas; o intervalo de pitch (mínimo, médio e máximo) apresenta uma curvatura descendente nas fronteiras das narrativas. O resultado das variáveis gestuais atestam que: o gesto rítmico tem maior ocorrência e dentre as fazes engendradas pelo narrador a movimentação verb0-gestual se concretiza especialmente pela sua fase nuclear: o golpe. Quanto à relação entre gesto e prosódia detectamos que o narrador faz associação direta entre esses dosi mecanismos, pois durante a realização do pós-golpe a duração da pausa é mais longa; a f0 máxima é mais alta no golpe e decresce no pós-golpe; as medidas de f0 média são mais altas no pré-golpe e tem uma curvatura descendente no golpe e no pós-golpe; a f0 mínima aumenta durante o decurso do pré-golpe. Portanto, atestamos as hipóteses de que existe uma estrutura prosódica, gestual e multimodal coocorendo e que o narrador, além da consciência linguística, faz uso de uma consciência paralinguística para marcar sua expressividade na narrativa de enterro quilombola.