O URBANO INTERROMPIDO: PRODUÇÃO DO ESPAÇO E VIOLÊNCIA NUMA ERA DE EXPECTATIVAS DECRESCENTES.
urbano, produção do espaço, violência, utopia.
O debate acerca do urbano tem na obra de Henri Lefebvre uma dimensão que, durante a década de 1970, não encontrou muitos paralelos, o que se explica tanto por sua inovadora análise do espaço fundamentada na dialética materialista, quanto por não tomar o urbano enquanto realidade acabada, designando-o sempre no sentido de um devir, de uma trajetória que guarda consigo uma dimensão utópica. Utopia que, em Lefebvre, mirava produzir um sentido de espaço capaz de, sincronicamente, reunir e libertar do jugo da reprodução do capital todos os diferentes modos de vida. Ora, é a partir dessa noção, do possível, que seu olhar crítico se lançou em busca dos obstáculos que deveriam ser superados para que esse outro urbano se cumprisse como destino. Todavia, passados cerca de 50 anos, e mesmo contanto com a mobilização e contribuição de inúmeros pesquisadores e movimentos sociais de todo o mundo, parecemos entrar definitivamente no que o filósofo brasileiro Paulo Arantes, chamou recentemente de "uma era de expectativas decrescentes", em que os obstáculos que se interpõem entre nós e uma almejada emancipação aumentam e se transformam, exigindo, assim, a atualização de nossos esforços críticos. E é, com esse propósito, que nossa pesquisa se volta a uma atualização da teoria do urbano, procurando contribuir mais especificamente para a renovação de sua capacidade crítica de interpretar a relação entre espaço e violência contemporânea. Nossos procedimentos passam por uma revisão bibliográfica voltada a identificar a origem e os limites que se manifestam nessa relação, encontrando, através da mesma, uma periodização que seja capaz de situar suas transformações e sentidos. Além disso, propomos a flexionar (modular) a teoria do urbano, para que seja capaz de lidar com a relação espaço e violência no Sul Global, o que procuramos construir a partir de um corte empírico específico que reúna informações relativas a empresas de segurança privada e a regulação dessas pelo Estado brasileiro, incluindo aí aspectos particulares à cidade de Belém-PA; os procedimentos envolvidos nessa empreitada incluem análise documental, entrevistas gravadas e sistematização e análise dos dados, obtidos junto a sindicatos (patronais e de vigilantes), do Estado e de organismos sociais. Nossa hipótese principal incorre em que os dois agentes de interrupção das utopias do urbano, a saber, a colonização do urbano e a violência repressiva (externa a essa colonização), ambos identificados e distinguidos por Lefebvre, tenham se imbricado numa nova forma de colonização do urbano em que a violência, enquanto produto da produção do espaço passe também a espetáculo.