Antropologia de populações, povos e comunidades que jamais foram tradicionais: experiências etnográficas junto a um coletivo de humanos e não humanos da Amazônia paraense
Populações, Povos e Comunidades Tradicionais; modo de vida tradicional e moderno; Comunidade Igarapé Grande; ilhas de Ananindeua.
Esta tese estudou o esgotamento que determinados conceitos cunhados na modernidade trazem para o trato da relação natureza e cultura em um fazer etnográfico e antropológico. Usou como abordagem principal as discussões que Bruno Latour (2004 a, b; 2013 a, b) faz sobre o tema, privilegiando a problematização “natureza e cultura na modernidade”, assim como relativizou os conceitos de “populações tradicionais”, “povos e comunidades tradicionais”. O desenho da tese se originou a partir da trajetória acadêmica e profissional do autor, à medida em que o mesmo, de maneira paralela, desenvolvia pesquisas empíricas junto à coletivos de humanos e não humanos entendidos pela teoria antropológica como populações povos ou comunidades tradicionais mas, à medida que leituras eram aprofundadas sobre esses coletivos, segundo a teoria antropológica, inconsistências eram encontradas. Este trabalho também problematizou os termos “tradicional”, “moderno”, “cultura”, “natureza” e as PPCTS como pano de fundo. A pesquisa parte de experiências etnográficas vividas no coletivo de Igarapé Grande e, a partir dela, reflete sobre quais as críticas que se podem fazer à teoria antropológica que produziu os conceitos de “populações tradicionais”, “povos e comunidades tradicionais” e “natureza e cultura”. Com efeito, esta tese não é científica (a rigor, dentro das Ciências Humanas, nenhuma tese é), é filosófica, visto que não consegue provar sua hipótese principal, da impropriedade do uso dos termos natureza e cultura, pois constrói abstrações, não se lança na realidade, mas a partir de uma realidade (a “cultura ribeirinha”, a realidade dos moradores de Igarapé Grande), criando um outro mundo possível para além do mundo moderno, entre tantos outros mundos possíveis (VIVEIROS DE CASTRO, 2002 b, 2015). Digno de nota é que o mundo moderno é caracterizado pela não continuidade entre humanos e não humanos, na medida em que os modernos utilizam não humanos como mediadores de suas relações com outros não humanos, sendo que esses não humanos mediadores nunca são localmente fabricados, criando uma situação de total alienação dos modernos em relação ao ambiente de não humanos que os cerca (verifique você, leitor, qual seu vínculo com os não humanos ao seu redor? Provavelmente nenhum, até mesmo o ar que você respira foi refrigerado pelo aparelho de ar condicionado). Por outro lado, os coletivos “tradicionais” fabricam a grande maioria dos seus não humanos e, quando esses não humanos não foram fabricados pelos seus próprios usuários, ao menos foram por humanos que compõem a rede local, ou sofrem periódicas manutenções, reformas e modificações por esses atores locais (penso, por exemplo, nas rabetas, não localmente produzidas, mas que sofre manutenções periódicas por humanos da própria ilha). Assim, este trabalho lançou mão de experiências etnográficas para criticar a teoria antropossociológica das últimas décadas, retornando aos primórdios da antropologia para poder construir uma sociologia da ciência antropológica analisando e posteriormente suspendendo a dicotomia entre cultura e natureza. Esta dicotomia permitiu dar lastro à outras dicotomias explicativas, também analisadas por este trabalho, como tradicionais e modernos (LATOUR, 2013a) e objetividade e subjetividade (LATOUR, 2004a), que, por sua vez, dão origem a um extenso número de outras dicotomias modernas, ou híbridos (LATOUR, 2013a), como rural e urbano, campo e cidade, público e privado, ecologia humana, etnociências, socioambientalismo, entre outras, não analisadas pela tese, mas ao menos citadas.