Prostituição em balsas que navegam nos Rios do Arquipélago do Marajó-Pará: entre reciprocidade e moralidade
Ribeirinhos. Prostituição. Moralidade. Reciprocidade.
Este trabalho, intitulado “A prostituição em balsas que navegam nos rios do arquipélago de Marajó-Pará: entre reciprocidade e moralidade”, objetivou analisar as construções morais de mulheres ribeirinhas acerca da prostituição nos rios do Arquipélago de Marajó, considerando que há “vida” (família, trabalho, lutas, histórias e expectativas) além da prostituição. Os procedimentos teórico-metodológicos ancoraram-se na análise situacional como método, e com a realização de entrevistas semiestruturadas, conversas informais e formais na cidade e em uma escola do campo do município de Breves-PA, incluindo análise do corpus bibliográfico disponível sobre os temas relacionados ao contexto da prostituição no Marajó. Essa escolha metodológica justificou-se na medida em que foi o método e as técnicas que mais se ajustaram ao problema de pesquisa e à especificidade da coleta de dados em campo. No tocante ao método de investigação, foi necessário discorrer sobre algumas questões éticas relacionadas à escrita do trabalho e à preocupação com as implicações da pesquisa para os(as) interlocutores(as). Os resultados evidenciaram a existência de sociabilidades entre tripulantes de balsas e muitos ribeirinhos (homens, mulheres, jovens e adolescentes) ao longo de algumas décadas, especialmente a partir de 1970, com a criação da Zona Franca de Manaus, ocorrendo a intensificação desses relacionamentos a partir de 1990, motivada por fatores conjunturais que implicaram em mudanças na economia brasileira e na cultura ribeirinha marajoara. Em relação aos relacionamentos de mulheres ribeirinhas e tripulantes das balsas, essas sociabilidades não se fundaram apenas em prostituição ou sexo transacional, mas em um sistema de dádivas constituídas por bens materiais e simbólicos, dentre os quais o óleo diesel, alimentos frescos, cerveja, cigarros, dinheiro, presentes, apoio financeiro, projetos de melhoria de vida, ampliação dos laços familiares para o interior das balsas, de forma prática ou discursiva/simbólica. As construções discursivas de mulheres ribeirinhas pautaram-se por um forte compromisso com a moral, sobretudo da família tradicional, ao lançar mão de valores como casamento, fidelidade, confiança, reciprocidade, para dar sentido a seu trabalho fora do lar, aos seus relacionamentos afetivos e a sua inserção na prostituição em balsas. No entanto, o que se tem verificado nos rios do Marajó é apenas a perseguição ou as tentativas de punir adolescentes e suas famílias, negligenciando os processos mais amplos de constituição de uma realidade social transformada pela expansão do capital financeiro através do comércio global.