Povos Indígenas nos papéis do Relatório Figueiredo: uma etnografia da tortura
Ditadura Civil-Militar; Tortura; Povos Indígenas; Colonialidade; Relatório Figueiredo.
Inúmeras são as violações de Direitos Humanos realizadas nos anos da Ditadura Civil-Militar Brasileira. O lastro de chumbo que se espalhou pelos corpos de todos/as aqueles/as que se opuseram ao governo deixou feridas atrozes tecidas na democracia iniciada em 1988, as quais, ainda hoje, sangram nos pontos de autoritarismo, negligência e esquecimento promovidos pelo Estado brasileiro. Desta forma, este trabalho objetiva discutir as práticas de torturas realizadas contra aqueles que foram – e ainda são – entendidos como um entrave ao progresso, corpos esquecidos pela história oficial e relegados a um lugar secundário nos estudos da ditadura, vidas consideradas menos importantes e atravessadas pela colonialidade, os povos indígenas. O “trabalho de campo” foi realizado a partir da etnografia das mais de sete mil folhas do relatório conclusivo da CPI instaurada em 1967 e presidida pelo procurador Jáder de Figueiredo Correia, a qual objetivava averiguar as irregularidades administrativas presentes no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que cuidava das políticas indigenistas na época. Este documento ficou, metonimicamente, conhecido como Relatório Figueiredo e contém em suas linhas, além de indícios de irregularidades com as contas públicas, diversos casos de violações de Direitos Humanos contra pessoas indígenas, tais como torturas físicas e psicológicas, estupros, massacres de aldeias inteiras, execuções sumárias, entre outras. Os dados foram coletados em meio aos diversos tipos de documentos que compõem o conjunto, foram devidamente organizados e vêm sendo analisados em uma perspectiva interdisciplinar, nos quais os trânsitos entre a antropologia social, a história, a arqueologia e o direito se fazem fundamentais. Diferente das torturas praticadas contra não indígenas, contempla-se nesta análise a incidência da colonialidade como ponto fundante das ações nefastas do Estado brasileiro, pois muito mais que inimigos do desenvolvimento, a desconsideração da própria humanidade desses corpos é um elemento chave para a estruturação dessa esfera do terror na política de controle e gestão de territórios.