“Sem o Bolsa fica escasso, com o Bolsa é mais avortado!”: as influências do Programa Bolsa Família nas estratégias alimentares de uma comunidade ribeirinha da Amazônia marajoara
Programas Sociais; Antropologia da Alimentação; Trajetórias Alimentares; Etnografia; Povos Tradicionais.
A Antropologia, na contemporaneidade, tem sido um importante meio de valorização dos sujeitos no contexto de suas lutas sociais, na busca pela emancipação e reconhecimento de suas tradições e costumes. Este estudo, resultado de uma pesquisa de doutorado, analisa acontecimentos que já estão, de certa forma, naturalizados na atual sociedade, como o recebimento de benefícios oriundos do Programa Bolsa Família, que pode estar sendo responsável por transformações no modo de vida de moradores ribeirinhos da Amazônia marajoara. Dentre essas modificações, as ocorridas nas estratégias que as famílias beneficiárias utilizam para a aquisição de alimentos – atividades de roça, produção de farinha, caça, pesca e extrativismo – e, consequentemente, nos hábitos alimentares – tipos de produtos/itens que compõem a dieta, a frequência de ingestão de alimentos e, bem como o modo como são preparados – uso de gás, lenha, carvão e outros. Desta feita, o objetivo central desta investigação buscou identificar as mudanças e continuidades ocorridas nas formas de aquisição de alimentos e nos hábitos alimentares de ribeirinhos após o acesso ao Programa Bolsa Família na comunidade Santa Luzia, meio rural de Breves/Pará. Como fonte metodológica, fez-se imprescindível a utilização da abordagem etnográfica, qualitativa, com pesquisa bibliográfica, cujos instrumentos de coleta de dados foram a observação participante, oficinas, conversas informais com os moradores, entrevistas semiestruturadas com 10 interlocutores e seus familiares, 01 Coordenadora do Sistema Presença em Breves, 01 Agente Comunitário de Saúde, 03 Professoras e 01 Barqueira. Os resultados demonstraram mudanças consideráveis sucedidas nas estratégias alimentares utilizadas por ribeirinhos, decorrentes principalmente do maior acesso a produtos industrializados, fato que se intensificou após a inserção na renda mensal dos valores repassados pelo referido benefício. Entretanto, a investigação comprovou que esses acontecimentos ainda não modificaram por completo muitos dos costumes e tradições desenvolvidas por essas populações, como os trabalhos na roça, a produção e venda da farinha, a caça, a pesca e o extrativismo, atividades estas que envolvem crenças e transmissões de saberes entre as gerações e que persistem no modo de vida marajoara. Contudo, ficou evidente que apesar de ainda utilizarem essas estratégias alimentares, elas já não são tão frequentes como antes e estão sendo deixadas, paulatinamente, à margem, substituídas pela compra e consumo de produtos pouco acessíveis antes do recebimento dos valores repassados pelo Bolsa Família.