Meio caminho andado: República Terapêutica de Passagem e a tarefa de ressignificar vidas e espaços
Pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei; Reforma psiquiátrica; Antropologia e Arqueologia da loucura
As pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei recebem da Justiça uma medida segurança como sanção penal, cujo cumprimento se efetiva após a emissão de laudo psiquiátrico e persiste até a “cessão da periculosidade”. No Brasil, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2016). 2770 pessoas receberam uma medida de segurança. No Pará esse grupo representa 118 indivíduos. É importante considerar que pessoas, em sua maioria, encontram-se em situação de vulnerabilidade psicossocial no que se refere à falta de acesso aos serviços de saúde. Muitas vezes esse acesso só ocorre por meio do acionamento do Poder Judiciário, após o cometimento de um delito, quando, então além de “loucas”, essas pessoas passam também a ser consideradas “perigosas”. Considerando esse cenário, esta pesquisa se desdobrou na República Terapêutica de Passagem (RTP), que é um dispositivo substitutivo à internação que recebe egressos do Hospital Geral Penitenciário (HGP). Trata-se de um espaço para que sejam ressignificadas a autonomia, independência, individualidade dessas pessoas após a vivência em uma instituição total mediante o restabelecimento de vínculos sociais e gradativamente, na medida do possível, laços familiares. Os interlocutores desse estudo fôramos onze moradores da RTP. A relevância antropológica do estudo está pautada no cerne de tornar visíveis pessoas com transtornos mentais que tiveram um conflito com a lei ao tratá-las como cidadãs detentoras de direitos. A incursão em campo aconteceu por meio da realização de uma etnografia, com observação participante. Foram observados o cotidiano dos moradores, suas relações com os cuidadores, o ambiente e os companheiros. A dissertação está estruturada por meio da apresentação de dois artigos científicos: o primeiro, já publicado, aborda um recorte bibliográfico sobre a contextualização da loucura no Ocidente, o decurso da reforma psiquiátrica no Brasil e no Pará, assim como mostra a iniciativa de alguns estados no desenvolvimento de dispositivos substitutivos à internação. O segundo artigo, sobre o campo realizado, aborda a arquitetura da loucura. A RTP conforma as mudanças por que esse conceito passou na história. Tendo sido construída em um período cujo pensamento político e social estava alicerçado em uma concepção manicomial segregatória e excludente, atualmente segue as premissas antimanicomiais e vem desenvolvendo um trabalho de ressignificação de vidas humanas e também do próprio espaço físico ao qual a loucura foi destinada.