“Antes tinha peixe e não tinha essas coisas, agora tem essas coisas e não tem peixe”: considerações sobre a atividade pesqueira artesanal na Vila dos Pescadores, Bragança - Pará.
Pesca artesanal na Amazônia; Comunidades Tradicionais; Kial; Vila dos Pescadores; RESEX Marinha de Caeté-Taperaçú
O presente estudo trata sobre a atividade pesqueira artesanal realizada na costa norte brasileira, por moradores da Vila dos Pescadores, situada na Reserva Extrativista Marinha (RESEX Mar) de Caeté-Taperaçú, no município de Bragança - Pará. A pesquisa tem como objetivo caracterizar esta atividade, identificando os tipos de pescas, as espécies alvo e os impactos que ameaçam a capacidade produtiva dos pescadores e pescadoras artesanais. Para isso, busquei identificar os principais fatores de mudança e as estratégias de continuidade da atividade, utilizando como metodologia a revisão da literatura e a pesquisa de campo com técnicas da etnografia a partir de entrevistas semiestruturadas com pescadores e pescadoras e agentes do setor público; coleta de dados secundários por meio de revisão bibliográfica e pesquisa documental, e o uso de registros fotográficos das atividades cotidianas da comunidade, do trabalho na pesca e rituais. Lúcia Helena Cunha (2013) menciona que conhecimento tradicional e modernidade estão em uma relação de complementaridade, onde ambos sofrem modificações e são ressignificados. Tal ressignificação também é apontada por Marshall Sahlins (1997). Assim, os resultados apontam que a modernização das tecnologias de pesca e a construção da Rodovia PA 458 se apresentam como os principais fatores de mudanças, estimulando a sobrepesca, que interfere, sobretudo nas pescarias realizadas no estuário e próximos a praia. Esse conjunto de fatores influencia na diminuição das safras, prejudica o uso de tecnologias tradicionais da pesca e afeta aspectos socioculturais do grupo, como a prática de partilhar o pescado no porto, denominada kial, realizada por pescadores ao retornarem da pesca – esse peixe, antes destinado somente à alimentação, agora é comercializado como alternativa de renda. As análises apontam que os impactos à pesca artesanal podem influenciar na circularidade de conhecimentos ecológicos essenciais à sustentabilidade dessa atividade quando os jovens se afastam da pesca e outras pessoas se voltam para práticas extrativas como estratégias de subsistência a fim de garantir a segurança alimentar das famílias. Algumas dessas ações permitem a continuidade e a ressignificação de conhecimentos tradicionais locais que orientam os modos de interação com o ambiente, mas outras podem afetar negativamente o ecossistema de manguezal e práticas socioculturais locais. Além disso, a criação da RESEX Marinha não impediu a sobrepesca, devido a fraca atuação do Estado na implementação de um sistema de gestão pesqueira eficiente que delimite as áreas de atuação da pesca artesanal/comercial e semi-industrial (por vezes operando de forma insustentável em áreas distantes da costa com rede apoitada e/ou de arrasto) e esteja em consonância com os interesses dos pescadores e pescadoras artesanais da comunidade, a partir de uma relação dialógica.