Ecologia trófica da arraia de água doce, Potamotrygon leopoldi (Myliobatiformes, Potamotrygonidae) espécie endêmica do rio Xingu, uma abordagem integrada com análise de conteúdo estomacal, isótopos estáveis e insights sobre poluição por plástico.
Neotropical, Amazônia, Elasmobrânquios, Dieta, Habitat, Plástico.
Os ecossistemas aquáticos são fortemente impactados por vários estressores como eutrofização, pesca, introdução de espécies, assoreamento, construção de barragens, poluição etc. Entre os organismos aquáticos destacam-se as arraias de água doce que são importantes componentes da ictiofauna Neotropical e estão fortemente ameaçados por essas ações antrópicas, principalmente ao comércio de ornamentais, degradação de habitats, construção de barragens e agora poluição por plástico. O conhecimento sobre a ecologia alimentar das arraias ainda é limitado e isso é mais marcante no rio Xingu que se contrapõe a uma série de modificações ambientais. Além disso, a quantidade crescente de plástico lançado no meio ambiente, especialmente em ecossistemas de água doce, remete um cenário preocupante para a preservação e conservação da fauna aquática, principalmente para este grupo de peixe que está cada vez mais ameaçado. Objetivou-se estudar a ecologia trófica de Potamotrygon leopoldi no Trecho de Vazão Reduzida (TVR) do rio Xingu, onde avaliou-se possíveis alterações na alimentação entre os períodos hidrológicos (cheia e seca), vazão, sexo, tamanho e fase ontogenética. Adicionalmente, investigou-se a ocorrência de partículas plásticas no trato gastrointestinal de P. leopoldi. O estudo foi realizado no Médio Rio Xingu, particularmente, no TVR, localizado na área de influência da UHE Belo Monte. As arraias, capturadas por espinhel e tarrafa em campanhas trimestrais entre os anos de 2020 e 2022, foram medidas, pesadas, uma fração de músculo (~5g) foi retirado para análise isotópica e o trato gastrointestinal foi removido para análise de seu conteúdo. A importância de cada presa foi determinada através do índice de importância alimentar. Ordenações foram utilizadas para investigar os fatores e presas que influenciam na alimentação da espécie. Modelos mistos foram usados para calcular a teia alimentar, bem como o tamanho e a diversidade das dietas. Foram analisadas as assinaturas isotópicas de carbono (ẟ13C) e nitrogênio (ẟ15N) de cada indivíduo capturado, assim como das fontes basais e consumidores primários para identificar gradientes ambientais. Os plásticos identificados no trato gastrointestinal foram fotografados, medidos, classificados de acordo com a forma, cor e a composição polimérica. Ao total analisou-se 37 estômagos e registrou-se 7853 itens alimentares. A espécie P. leopoldi foi considerada como onívora e generalista, tendo como presas mais importantes: moluscos, crustáceos, peixes e insetos aquáticos. Quanto a teia alimentar, observou-se que densidade de presas modifica de acordo com a fase ontogenética da espécie. O tamanho e diversidade de presas apresentaram uma relação positiva significativa com o tamanho da arraia. Já a vazão apresentou relação negativa significativa com a diversidade de presas. A amplitude de nicho isotópico mostrou diferenças entre as fases ontogenéticas
(juvenil e adulto). Os valores médios de ẟ13C e ẟ15N do músculo de P. leopoldi foram -27,7‰ (± 0,97‰) e 11,8‰ (± 1,24‰), respectivamente. O ẟ13C variou significativamente apenas para a vazão do rio. Já ẟ15N apresentou relação negativa com o tamanho. Registrou-se um total de 81 partículas plásticas, 66,6% dos tratos gastrointestinais continham plástico, o tipo de partícula dominante foi fibra (64,2%) de cor azul (33,3%) e o polímero mais frequente foi fibra de celulose artificial (59,7%). A espécie P. leopoldi explora grande diversidade de itens alimentares e a disponibilidade deles está diretamente associada aos períodos hidrológicos e/ou vazão do rio e a conservação de seu habitat. Este estudo revelou o primeiro registro de ingestão de plástico por elasmobrânquios de água doce no mundo. Todos os nossos resultados fornecem uma importante contribuição para elaborar medidas e ações que possam auxiliar na tomada de decisões quanto a conservação desta espécie, além de estimular o desenvolvimento de novas pesquisas com as arraias de água doce neotropicais.