MEMÓRIAS DA PROMESSA E DO FIM DO MUNDO: EXPERIÊNCIA VIVADA DO DESLOCAMENTO COMPULSÓRIO EM TUCURUÍ
MEMÓRIA; HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ; DESLOCAMENTO COMPULSÓRIO; EVENTO.
Esta pesquisa com deslocados compulsoriamente em função da Usina Hidrelétrica de Tucuruí tem como objetivo compreender a experiência vivida pelo deslocamento compulsório na construção de temporalidades informadas pela memória e veiculadas em narrativas de testemunho. Realizei, como procedimento metodológico, uma etnografia com o intuito de compreender os significados atribuídos por meus interlocutores aos mundos referidos por eles como velho e novo Breu. O Breu velho é aquele lugar que foi para o fundo do lago com a implantação da hidrelétrica supracitada, enquanto o novo Breu (ou Breu Branco ou Novo Breu Branco) refere-se ao espaço onde foram lançados com a ocorrência do deslocamento compulsório em suas vidas. A construção simbólica dos mundos é marcada pela fronteira que existe entre um antes e um depois do evento que se manifesta inclusive nos nomes dados aos lugares que ganham reciprocamente significado na vida dessas pessoas. Enquanto o Breu velho é apontado como aquilo que foi perdido com o enchimento do lago, seja atividades econômicas, relações de ser-com-os-outros reconhecidamente próximos, valores éticos ou mesmo a noção de liberdade; o novo Breu é o espaço que abriria possibilidades para a melhoria de vida desde que, na perspectiva dos deslocados compulsoriamente, cumpridas as promessas da Eletronorte. Como desde o início essa promessa não se efetivou, a sensação de injustiça e o sentimento de não pertencimento ao novo espaço se articulam na construção de uma interpretação que ressalta o sentido apocalíptico de que ―tudo foi para o fundo‖ por causa de uma promessa não cumprida. O ―tudo‖ que preenche o mundo que se perdeu com este evento é elaborado de forma distinta por cada interlocutor: nesta pesquisa trabalhei com quatro interlocutores com veiculação de suas perspectivas através da minha atuação como personagem-narrador e editor deste texto. O exercício de escuta dos relatos não se limitou a essas pessoas, mas teve a partir deles significados que preenchem de forma heterogênea o mundo que se perdeu no fundo do lago da usina em foco. A partir do que ouvi dessas pessoas estando lá, pude concluir que a fenomenologia da memória não se transforma, neste caso, em uma hermenêutica do esquecimento pelo jogo sempre inconcluso do perdão em uma situação na qual a ruptura da estrutura de ser-no-mundo aconteceu tendo como justificativa promessas que, por mais que às vezes quase aconteçam, nunca chegam a se efetivar. Sugiro que enquanto se mantiver este jogo do quase acontecer não haverá, por parte dos deslocados, perdão e, como consequência, a possibilidade de se reatar o sentimento de pertencimento ao espaço no qual involuntariamente foram lançados com a construção desta hidrelétrica também se mantém no quase acontecer. Assim, tiradas de um mundo pelo seu fim, essas pessoas não podem construir outro onde estão, pois o presente em que vivem até agora existe assombrado pela experiência apocalíptica da ruptura do caráter existencial de ser-no-mundo, impedido de se reconfigurar no novo espaço pela quase efetivação da promessa que não culmina na justiça que anseiam estes condenados ao deslocamento compulsório.