TURISMO COMUNITÁRIO COMO SISTEMA DE DÁDIVAS NA AMAZÔNIA: uma aliança entre reciprocidade e autonomia na gestão local do turismo em Anã e Coroca, Santarém, PA.
Turismo Comunitário; Dádiva; Autonomia; Reciprocidade; Etnografia
das trocas; Populações locais.
Essa investigação analisou como se estruturam as relações sociais tecidas entre os
agentes sociais endógenos das comunidades Anã e Coroca (Santarém/Pa), e as
relações que eles estabelecem com agentes exógenos para a oferta do turismo, com
a finalidade de identificar a função da autonomia comunitária em iniciativas turísticas
protagonizadas por populações locais. A pesquisa de campo foi orientada pelos
pressupostos da etnografia antropológica, em três períodos diferentes de imersão nos
microcosmos das comunidades, e no macrocosmo formado por Santarém e Alter do
Chão. O caminho metodológico de análise dos dados foi construído a partir da
concepção de Lanna (2000) sobre a “etnografia da troca”. O campo mostrou que o
turismo institui relações de troca de dádivas ambivalentes (econômicas/simbólicas)
entre os agentes sociais internos e desses com agentes externos às comunidades.
Esse intercâmbio relacional de dádivas cria uma estrutura de rede social
interdependente, sem a qual a experiência de turismo não acontece na comunidade.
Ao promover a conexão do microcosmo com o macrocosmo, o turismo gera alianças
e sociabilidades de forma sistêmica e complexa, pois existe entre esses ambientes
uma dependência recíproca. Portanto, em ambientes sociais que promovam a troca
de bens e de sua espiritualidade de forma ambivalente, o turismo pode ser
compreendido como uma dádiva e, a dinâmica relacional que ele produz, como um
sistema de dádivas. A compreensão da dinâmica dessas relações sociais me permitiu
inferir que o turismo comunitário produz um “fato social total” na concepção de Mauss
(2017). A observação detalhada das iniciativas turísticas de Anã e Coroca revelou que,
embora ambas sejam chamadas por turismo de base comunitária (TBC), a base
comunitária ou endógena, está ativa, no momento, somente em Coroca. Isso porque,
essa comunidade opera suas ações coletivas por meio da reciprocidade. Como a
estrutura social que sustenta a autonomia de uma comunidade de processos de
dependência, tutela e dominação de agentes externos, a reciprocidade é a
responsável por promover a autogestão dos interesses coletivos, como o turismo. Ao
identificar a aliança entre reciprocidade e autonomia no microcosmo de Coroca, e sua
ausência no microcosmo de Anã, compreendi a função da autonomia, e sua relevância
como característica balizadora para reconhecer iniciativas de turismo comunitário,
pois não há como referir o protagonismo de uma população local na gestão do turismo
se ela não é livre para escolher; se não é plenamente capaz de tomar decisões em
todos os processos que envolvem a operação turística, os quais ocorrem tanto no seu
ambiente endógeno (o comunitário), quanto no exógeno (mercado de viagens).
Acredito que a autogestão do turismo comunitário é um caminho possível, desde que
as populações locais tenham acesso ao conhecimento e formação técnica para
autogerir-se de forma integrada entre suas demandas comunitárias, e as expectativas
do mercado de viagens.