O problema do eu e sua fundamentação a partir da segunda meditação de Descartes
Eu pensante. Metafísica. Problema ontológico
O contexto em que devemos compreender a filosofia cartesiana, de modo a nos orientarmos melhor em relação aos seus conceitos fundamentais, é o mesmo que levou Francis Bacon a escrever seu Novum organum, quer dizer, a necessidade de dar uma resposta à crise no conhecimento científico, característica do Renascimento. Diante do estado de incerteza, oriundo de algumas dificuldades epistemológicas incontornáveis com as ferramentas teóricas herdadas dos antigos e redirecionados, sobretudo, pela perspectiva ontológica medieval, era natural que tanto empiristas como racionalistas buscassem um ponto seguro em que apoiar suas pretensões de conhecer objetivamente o mundo. E é nesse esforço de encontrar uma garantia fundamental à nossa compreensão da realidade que Descartes, em suas Meditações metafísicas, se viu conduzido à tese de que é no Eu, como uma espécie de centro articulador de nossas cogitações, que devemos reconhecer as bases sobre as quais se constrói o edifício do conhecimento humano, independentemente, de todos os preconceitos e das imprecisões geradas pelos sentidos. A percepção de que nossos sentidos nos põem diante de seres diversos para os quais apenas o pensamento, com suas regras, é capaz de encontrar a unidade e estabelecer relações constantes, Descartes põe na questão do método e do direcionamento coerente do espírito a chave para a revolução epistemológica moderna, combatendo, assim, o realismo ingênuo e sua crença no conhecimento imediato dos seres existentes no mundo. O que está em jogo é a reformulação da teoria do método científico, tendo como base as vantagens que a matemática, uma forma naturalmente racional de conhecimento, tem no que diz respeito às garantias de nossas opiniões, separando sem controvérsias as falsas das verdadeiras noções. Isso conduz Descartes a concentrar sua atenção na estrutura do pensamento humano e sua coordenação lógica por meio do Eu, dando sentido assim ao seu idealismo metafísico. O desafio à esta dissertação é mostrar, pela análise cuidadosa, a consistência da fundamentação do conhecimento no Eu e, com isso, o desdobramento articulado das teses de Descartes em seu sistema idealista.